quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Carta: "Te espero nessa mesma estação"

Série "Cartas Perdidas", Nº 32


São Paulo, 13 de Agosto de 2010


Sabe, é estranho, e que sexta-feira estranha alias! Como era de se imaginar alias!

Muito estranho saber que essa carta nunca será lida por você, eu acho que não.

Nunca mesmo, jamais. E não mesmo pra falar a verdade.

Mas vai ser lida por mim, pois primeiramente sou eu o autor dela, e de forma reiterada, eu vou relê-la diversas vezes no decorrer dos anos.

Muitas vezes reclamamos de nossas perfídias mútuas, a gente passou a vida toda reclamando de coisas imbecis ou de fatos imbecis. A gente perdeu tanto tempo!

A gente perdia tempo discutindo o "sexo dos anjos", quase que literalmente nessa merda de ditado popular. A gente perdia muito tempo pra definir quem errou mais em um término longo de namoro que durou cerca de dois anos, mas na prática não acabou! Não tinha acabado!

Toda vez que a gente se explodia em ódio, nossos cachorros eram nosso escape, eu conversava com o seu e desabafava como você era injusta, conversava com ele, acho que ele entendia... e eu tenho certeza que você ia as vezes lá em casa conversar com o meu, pois muitas vezes quando eu olhava ele, ele me emitia um olhar de censura, você o fez por inteiro... a vantagem é que eu fazia o mesmo com o seu cachorro, e você deve muito ter sentido o olhar intimidador de um rottweiler bem convencido! Morro de rir quando lembro disso!

Morro de rir quando a gente tinha mania de fazer amor em lugares imbecis... lembra quando eu fui te buscar na lanchonete que você trabalhava? Acho que foi em 1997, por volta disso mesmo, não tinha ninguém mais, você fechou tudo, e mandamos ver lá no fundo, como éramos doidos!

A gente podia ter se envolvido cada vez mais, formar uma família! Podíamos mesmo ter feito algo muito maior do que tínhamos feito desde 1995, que era um namoro imbecil, que eu quis manter como namoro imbecil, porque eu era de fato um imbecil.

Eu perdi tempo fazendo as minhas coisas, eu tinha que lavar meu carro, tinha que arrumar minhas varas de pescar, tinha que organizar minhas ferramentas a garagem, tinha que fazer uma série de tarefas inventadas na minha cabeça, tudo isso pra não ter que ser, como eu dizia, um "escravo" seu... 

Hoje eu sou "escravo" de algo muito pior, sou escravo da solidão e da saudade, sou escravo do remorso!

Remorso de não ter te feito mais feliz ainda e sido melhor com você, a cada momento, remorso de ter te curtido a cada momento que nos restava!

Mas, depois de dez anos, eu acho, sei que não sou culpado, e nunca seria, isso se daria de qualquer forma, o câncer simplesmente surgiu como uma sombra e te levou de mim, como um trem que você entrou e eu fiquei na estação!

E sei que jamais você vai ler essa carta!

Mas te espero nessa mesma estação de sempre!

"E se a lembrança insistir em ficar nos procurando... será impossível, mentir o fato que eu não te amo ainda..."